Exposição coletiva "Modos de Ser e Estar no Mundo", Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes da UFRGS, Porto Alegre, 2013.

14/09/2013 07:09

 

 

"Deficiência, eficiência? A palavra arte não aparece aí. Quem delimita os limites? O que é um ser humano completo? É um ser perfeito como o proposto na idealização grega? Um ser produtivo como o estipulado pela sociedade do consumo? O que é ser eficiente e deficiente na Universidade? E o que a arte e um espaço museológico têm a ver com isso?

 

"Foi a partir destas indagações (e inquietações) que surgiu a proposta da exposição Modos de Ser e Estar no Mundo, na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS. Neste evento, artistas que trabalham com diferentes linguagens e conceitos propõem experiências que tocam aspectos emocionais, espirituais e intelectuais para enfatizar a riqueza, a diversidade, as limitações e os não-limites que nos caracterizam como seres humanos.

 

"Carregando o desafio de ser instalada em um prédio antigo, que apresenta muitas dificuldades para os ajustes necessários de acessibilidade, a exposição objetiva também provocar reflexões sobre as possibilidades de adaptação deste espaço ao acesso universal. Trata-se de um desafio tanto para os artistas que estão produzindo as obras especialmente para a ocasião quanto para a Universidade que trabalha para possibilitar a participação de todas as pessoas em nossos espaços.

 

"Em um esforço conjunto, Instituto de Artes, Pró-Reitoria de Extensão, Departamento de Difusão Cultural e Programa Incluir da UFRGS desenvolvem um projeto-piloto de exposições para que começemos a tratar as questões da acessibilidade e das diversidades na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo com a seriedade e respeito que elas merecem.

 

"A acessibilidade possível, por ocasião da exposição, será limitada, sem acesso a cadeirantes. Contaremos com intérprete de libras para surdos e mediadores especializados para pessoas com deficiência visual, desde que com agenciamento prévio. Sinta-se convidado, com seu modo de ser e de estar no mundo, a participar desta iniciativa."

 

Cláudia Zanatta, Patrícia Bohrer e Rodrigo Núñes

Curadores

 

 

A obra apresentada na exposição, intitulada Para não esquecer que os vândalos continuam no podernasceu a partir de uma fotografia que bati em Porto Alegre, em uma das várias manifestações públicas que tomaram o Brasil em 2013, em protesto contra as condições opressivas em que vive a população e reivindicando mudanças, entre as quais estava, proeminentemente, o maior respeito pelas minorias. Escolhi esta imagem em função da proposta inclusiva da exposição.

 

 

Uma multidão está na frente do Palácio Piratini, sede do governo estadual, e grita continuamente várias palavras de ordem. Por cima de todos paira uma enorme faixa com os dizeres “Os vândalos estão no poder!”, o que me surpreendeu naquele dia como uma descrição brilhantemente sucinta e precisa da situação que o país vive hoje, assolado pela incúria administrativa, pelos retrocessos na área do meio ambiente, saúde, educação, pela ineficiência do sistema jurídico, por um congresso nacional composto majoritariamente de criminosos, fanáticos, lobbystas de grandes negócios ou meras caricaturas incompetentes, e sobretudo pela corrupção sistêmica que suga vastos recursos públicos e depreda instituições e serviços vitais, vandalizando com a vida de todos, causando a morte de milhares todos os anos e fazendo uns poucos se tornarem muito, muito ricos. 

 

Para atender ao desafio da curadoria da exposição de tornar as obras de arte acessíveis a portadores de necessidades especiais, procurei descobrir, na ausência da imagem, qual seria, para alguém que não vê ou não esteve lá, a melhor tradução desse mar visual efervescente de vida e consciência cívica que tomou nossas ruas. Meus meios usuais de expressão são a foto e a pintura, e nesta tentativa de tradução percebi o quanto minha própria concepção de mundo é dominada pela visualidade, e como a própria linguagem corrente também é. Apenas descrever como é a foto, ou como foi aquele movimento, me pareceu tão insuficiente! Eu precisaria ser um poeta para dar vida à narrativa, mas não sou poeta, sou um artista visual. Lembrei, então, que eu havia feito alguns registros sonoros na mesma oportunidade. Geralmente faço isso, mas não costumo guardar esses registros por muito tempo, não trabalho com gravações de áudio e foi por puro acaso que conservei estas. Nada melhor, para recriar ou traduzir a fotografia, do que o som daquele preciso momento que ela captura em formas, esperando otimista que o ouvinte construa o que lhe faltar para que alguma corda em seu interior vibre em sintonia, vivificando a mensagem e lembrando-lhe de sua atualidade.

 

Minha obra, enfim, tem muito pouco de meu: é o som cru capturado na ocasião em que a foto escolhida foi obtida, com pequenos ajustes técnicos que não sacrificam sua autenticidade. Mas se fazer arte é em essência transmitir uma mensagem, creio que meu recado ficou dado. Embora eu também seja compositor, imagino que manipular o registro sonoro a ponto de torná-lo uma peça de música seria adocicar a pungência do lamento nacional. As interferências pessoais se resumem principalmente a cortes, para evitar as longas repetições de um mesmo bordão e mostrar condensadamente um pouco da variedade das reivindicações que se ouviam, evitando tornar a experiência, no contexto de uma exposição de arte, entediante. O resultado é uma breve mas vibrante imersão em um momento que ficou na memória do país, mas cujos anseios que expressou não podem ser novamente esquecidos enquanto a situação não mudar.

 

Ricardo André Frantz, 2013.

 

Um link para a gravação: 

soundcloud.com/ricardo-andre-frantz/para-n-o-esquecer-que-os-v

 

 

 

 

 

 

 

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