Exposição individual "Annedoto", Galeria de Arte da Universidade de Caxias do Sul, 1998

20/10/2011 05:34

 

Os trabalhos que desenvolvo no momento são fruto de uma pesquisa formal que se estende já por mais de 6 anos. Fundamentam-se conceitualmente e se realizam como objetos no emprego simultâneo de uma variada gama de materiais, estilemas, técnicas e procedimentos, de modo des-hierarquizado.

 

A sua apresentação é basicamente frontal, reminiscente de minha formação acadêmica como pintor. Contudo, tenho especial interesse em certa topografia física originada, na bidimensionalidade predominante, pelas colagens de papéis, adesivos, fotos e outros materiais. Tal topografia lhes confere, creio, um certo charme tosco, e reitera, ao evitar ilusionismos facilmente induzidos por uma superfície sem acidentes, sua presença física como objetos.

 

 

Um aspecto essencial é que parte principal da matéria-prima constituinte destes trabalhos é registro de outras obras, e às vezes é essas próprias outras obras, em rearranjos. Ou seus restos e fragmentos. Ou qualquer coisa que estiver ao alcance. De qualquer modo, sempre se trata de material de cunho afetivo. São em sua maioria reelaborações em torno de situações ou memórias de um tempo passado. Mesmo os ready-made, impuros, que produzo, são objetos de certa forma memorialistas.

 

O uso da reprodução de um outro objeto (foto, xerox, imagens de segunda ou terceira geração) é um expediente de distanciamento e de espelhamento, de multiplicação, ao mesmo tempo que é uma revitalização, porque existente como objeto novo, diferente daquele evento ou objeto artístico anterior, ainda que nesta revitalização o objeto original seja freqüentemente desnaturado e sua leitura desviada. Tomando como fulcro esta dialética entre o visível e o invisível, o original e a cópia, o processo e o produto, é possível ampliar o campo da percepção e da crítica de valor. Ficando patente, na sua rusticidade intencional, a estrutura física subjacente a todo objeto, as possibilidades de intercâmbios, mutações, reverberações e aproximações entre todas as coisas materiais produzem formas nunca definitivas, mas fluentes e abertas a novas organizações. Tudo pode vir a ser e/ou significar outra coisa. Torna-se natural, e mesmo orgânico, o trânsito entre as várias técnicas, e uma simples colagem pode ser o motor de partida para uma instalação que abranja uma sala inteira.

 
 

Diz Dane Rudhyar:

 

"Quando um vasto grupo de homens consegue construir uma cultura dotada de fortes instituições que se expressam em símbolos e obras significativas no campo da arte ou da literatura, um tal esforço de muitas gerações raramente se perde de uma vez por todas. De uma forma ou de outra, registros destas culturas resistem ou são misteriosamente preservados, pela simples razão de que esses registros revelam o lugar e a função dessa cultura particular ao longo do processo de desdobramento das potencialidades inerentes ao HOMEM arquetípico (...) O Símbolo (...) nos diz, todavia, que a preservação REAL dos registros em questão jamais é perfeita ou integral. Apenas fragmentos permanecem, mas fragmentos significativos o bastante para revelarem a forma arquetípica essencial".         

 

Opero em uma modalidade bastante autobiográfica de expressão. Assumidamente um homo culturalis, meu ser sendo constituído de símbolos e formas culturais vivos, além das formas naturais, vejo meu trabalho como a recuperação da própria trajetória percorrida em meio à minha cultura original, terceiromundista, pobre e marginal, sem nostalgias, porém com afeto. Porém urge reavaliar sempre, urge achar novas soluções para problemas que essencialmente circulam em torno de um centro comum: o eu em meio ao todo. A questão que permanece é: como viver a história hoje, como transformar-me, atualizar-me, sem deixar de ser eu mesmo, com todo o meu passado e com o passado de minha cultura, ainda tão vivo? Autofagia e regeneração. Em meio à eterna mutação das formas, ao seu desvanecimento material, ao seu escape contínuo por entre os dedos da memória, talvez meu trabalho espelhe uma busca de um senso de firmeza e permanência, um chão sob meus pés, mesmo quando a nova afirmação, conscientemente cultural e pretendendo uma inserção artística, soe como uma deliberada reação às maneiras convencionais de estruturação formal, ou ao modo tradicionalmente considerado como virtuosístico ou bem-acabado de uma obra se fazer visível.

 

 

Ricardo Frantz

Exposição Annedoto, Galeria de Arte da Universidade de Caxias do Sul, 1998

 

 

 

 

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