Exposição individual "O que quer dizer?", Casa de Cultura de Caxias do Sul, 1996

20/10/2011 05:31

 

Inquietude do artista, serenidade da arte

 

"A exposição do artista plástico Ricardo Frantz, na Galeria da Casa de Cultura, provoca o público. Causa estranheza. Não são apenas as obras, mas também o modo de expô-las que chama a atenção. Alguns espectadores se sentem agredidos. Nada de novo. A segunda metade do século XIX e o século XX são marcados pelo conflito entre a arte e o gosto do público. Independente da definição de critérios para julgar o valor artístico de uma obra, o gosto estético só pode ser formado na base do princípio da sociabilidade e da intersubjetividade. As relações do indivíduo com os valores do grupo social determinam, em grande parte, padrões estéticos considerados válidos, apenas válidos, não necessariamente verdadeiros.

 

"Ricardo Frantz busca uma linguagem individual, tarefa que exige dedicação. A perfeição expressiva não supõe apenas o abandono de práticas e conceitos dominantes. Requer também uma nova linguagem, espontânea ou construída, mas sempre adequada à função de expressar. Como acontece com os poetas, escrever versos sem métrica exige maior domínio do ritmo. Ser espontâneo, primitivo ou assumir o 'traço' popular, para o homem culto é uma impossibilidade que só o artista procura superar. Ricardo Frantz aceita decididamente correr esse risco. Tenta dizer a realidade como se fosse pela primeira vez, como fazem os artistas criadores. Tal afoiteza provoca conseqüências nos resultados da própria obra e nas reações do público. Para os que lidam com arte, entre tantas obras expostas, é natural que algumas se destaquem pelas soluções formais.

 

"Parece que o próprio artista tem uma certa estranheza diante da obra, pois o título da exposição, em forma de pergunta 'O que quer dizer?', traduz esse sentimento. Tal atitude não é defeito, mas virtude. Ao perguntar 'o que quer dizer', referindo-se aos seus trabalhos, passa ao público as suas dúvidas. Não pretende definir sua arte. Quer saber se ela diz e, principalmente, o que quer dizer. Porém, o querer dizer depende, antes de tudo, da própria obra, ponte entre o artista e o espectador. A obra está aí. Posta a público. Diz por si. Impossível traduzir exatamente a 'fala' pictórica em palavras.

 

 

"O artista parece inconformado com os modos institucionalizados de expor a obra ao público. Por isso, Ricardo Frantz intervém nos aspectos sociais da exposição e procura devolver às obras algo do estado de atelier. No mundo do atelier, as obras encontram-se justapostas, espontaneamente. Estão num ordenamento 'caótico' anterior ao convencional da galeria. A exposição não pode desvirtuar o que há de genuíno, de espontâneo, de vivido, de gênese na obra. A própria moldura é adjetiva. Ela não faz parte do quadro. Por isso, para evitar as interferências externas, o artista procura anular os artifícios (falas da arte) da exposição através de novas interferências, talvez provocantes, mas que pretendem libertar o sentido da obra. O artista usa o recurso da encenação, do mise en scéne, para expor seus trabalhos. Poderia até colocar as obras de arte empilhadas em cima de uma mesa para cada espectador manusear e olhar como quiser. Já que é necessário o placo, a parede, a sala, ele tira proveito do modo de expor as obras para completar a linguagem da própria obra. Cabe ao espectador distinguir, comparar, selecionar as obras. Distinguir as obras mais bem realizadas em relação às menos elaboradas.

 

 

"O querer dizer nem sempre é o 'poder dizer'. Ricardo Frantz sabe disso muito bem. Prova disso é a atmosfera de inquietude de seus quadros, mas de uma inquietude serena, sem falsos dramas, presente nos jogos dos movimentos e das cores. Perspectivas, enquadramentos, ângulos, planos estão dominados pela primazia do movimento que define a composição. A cores apresentam-se livres. Deste modo, a inquietude, que tende a ser grave no homem, na obra de arte adquire serenidade. O artista luta para dizer seus sentimentos ao mundo. O que permanece no quadro são rastros. Signos, figuras de Jesus, da Virgem, símbolos antigos e populares testemunhando um mundo mítico e religioso entre paisagens ou cenas de vida."

 

Jayme Paviani

Professor, filósofo e crítico de arte.


Matéria no Jornal Pioneiro, 1 de junho de 1996

 

 

Pesquisar no site

Contato

Ricardo André Frantz