Exposição individual "eternos-efêmeros", Fundação Ecarta, Porto Alegre, 2012, com uma seleção de pinturas da série "Intensificações"

21/06/2012 02:49

 

 

 

"Para realizar as pinturas exibidas nesta exposição, Ricardo André Frantz partiu da apropriação de fotografias alheias encontradas em um banco de imagens de uso livre. Ajustando digitalmente alguns parâmetros da imagem, esta imagem é então transposta para a tela através de um dispositivo ótico projetivo. Uma vez afixado o contorno de uma imagem realista projetada sobre a tela, o artista tratou de interpretá-la através da pintura, de encontrar um tratamento pictórico adequado para cada área das figuras e dos cenários presentes em cada quadro.

"Da distribuição generosa das massas coloridas e do requinte dos detalhes pictóricos surgem imagens impactantes, que saltam aos olhos portando temáticas afáveis, agradáveis mesmo, reiterações de lugares-comuns, de uma “banalidade carregada de afetos”, conforme dito pelo artista. Efêmeros momentos de deleite eternizados pela monumentalidade do tamanho das suas pinturas.

"Efêmeros também são os gestos, eternos também podem ser as marcas deixadas por eles, preservadas sobre a superfície do tecido. Desafiado pela escala de grande formato de suas telas, Ricardo buscou um modo de pintar que atendesse tanto ao interesse das imagens como ao interesse da pintura propriamente dita, estabelecendo um jogo entre o olhar aproximado que vê as manchas e o olhar afastado que vê as imagens. Procurando, segundo suas próprias palavras, “até aonde pode ir a liberdade do gesto” mantendo o interesse da obra “por sua plasticidade pura, sem que se perca no processo a eficiência da ilusão representativa”.

 

Chico Machado

Curador

 

 

 

Epifania, acrílica, 300 x 145 cm

 

Banho de sol, acrílica, 300 x 145 cm

 

Hoje, talvez mais do que nunca, nada se faz sozinho. Intensificações é uma série de pinturas em grandes formatos realizadas a partir de imagens obtidas em um banco de mídias de uso livre, cujos autores muitas vezes só se identificam por apelidos. Ao apropriar-me de imagens alheias quis enfatizar o caráter coletivo - e infinitas vezes anônimo - do processo de construção da cultura. Este procedimento não é novo em meu trabalho. Em meus primeiros anos me apropriei intensivamente de material oriundo da cultura visual popular e erudita, buscando para ele novas articulações e significados em rearranjos iconoclastas e antropofágicos. Aqui, porém, a apropriação tem um sentido diferente: não busca, como antes, contestar e hibridizar tudo num grande mix geral, mas sim selecionar componentes particulares do oceano de images contemporâneo e enfatizá-los.

 

Mais do que uma simples apropriação, as pinturas que derivam dessas fotografias constituem uma verdadeira re-criação da imagem original, que é transformada na pintura de vários modos, seja pela eleição de uma paleta de cores diferente, seja pela alteração, supressão ou acréscimo de elementos da composição, seja pela magnificação da sua escala e pela própria materialização da imagem através de tinta e gesto, o que lhe confere um caráter novo e único, irreproduzível, intensificando a imagem original de maneiras novas, e criando tensões interessantes entre o ilusionismo "fotográfico" e a materialidade visível das pinceladas.

 

Conceitos, processos, técnicas, significados, formam-se lentamente ao longo de séculos, pela contribuição pontual de milhões de pessoas, e o aparecimento de “soluções” para os problemas artísticos é sempre provisório, efêmero. Pois muitas vezes o que se encontra na busca não é a resposta desejada, mas sim uma nova pergunta, uma re-verberação, um pequeno reflexo estilhaçado do todo que nos foge, ou o vislumbre de uma nova mutação.

 

A cultura, assim, como a vida, é uma rede de interdependências. Que seria de Picasso se não fosse Policleto? E o que seria de ambos sem o pão de cada dia em seu prato? O pão feito pelo humilde padeiro que acorda às cinco da manhã, trabalhando sobre o suado suor do camponês, que colheu da terra, a troco de esmola, o sustento para as multidões que não conhece e estão longe. Podemos remontar nessa cadeia à origem do mundo e a todas as coisas presentes, e a todos os seres vivos. Cada elo nessa cadeia é precioso e frágil, assim como são frágeis o material de que são feitas estas pinturas e os momentos/sujeitos que elas retratam. Por isso a temática afável. Por extensão, amorosa. Por natureza, bela.

 

Ora, o que é assim bom e gostoso, natural que desejemos preservar, e, como seres culturais, até decantar em arte e transformar em símbolo e monumento. E não por outra razão do que pelo seu conteúdo de bondade, como promessa de felicidade. Mais uma razão para que as imagens originais fossem alheias, e não representassem um universo que me fosse exclusivo, embora todas elas remetam a importantes episódios em minha vida e a série seja, deste ponto de vista, também alegórica e memorialista. Mas, antes, foram escolhidas deliberada e especificamente imagens que também pudessem se confundir com a experiência comum de todos, com as utopias que todos acalentam, com a bondade que todos já experimentamos e desejamos que se repita.

 

Essa bondade só pode se manifestar em plenitude se a rede de interdependências da vida se mantém intacta. Não podemos tê-la se nos matamos uns aos outros e se destruímos nosso planeta. Se fazemos isso nossa “civilização” e nossa “cultura” não passam de um engodo monstruoso que um dia vai engolir a nós próprios. Todos somos responsáveis pelo futuro, mas criamos para nós a possibilidade real da perda permanente da bondade que amamos. Essas pinturas então podem ser, também, para ajudar que lembremos. 

 

Ricardo André Frantz

 

Ricardo Frantz e Chico Machado

na abertura da exposição

 

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Ricardo André Frantz